Ela é uma cigana de vestido rodado.
Parece jovem quando o olhar passeia vago sem deter-se em detalhes.
Parece alegre, parece rir meio de tudo e de chorar quando as coisas não têm a menor importância.
Quando as coisas são grandes e querem provocar melancolia, ela dança, porque o corpo concentrado e largado no ritmo exorciza as dores — pelo menos foi o que me disse. Nem pensei em duvidar.
Conversamos sobre muitas coisas sempre que eu tenho tempo para uma visita.
Dentre as coisas que gosta, além da música que é sua alma, estão os cremes, perfumes e rendados xales que ela possa carregar.
Nada com peso.
E quando conta isso, me olha desdenhosa e francamente como a me dizer que preciso aprender a viver sem os pesos que carrego.
Ela também me disse que sua cor favorita é vermelha.
Perguntei se não é um pouco vulgar depois de uma certa idade — ela tem aquele semblante indecifrável de quem tem muitos anos.
Mas ela riu — aquele riso sem juízo de quem ainda é criança: vermelho só é vulgar se ele não faz parte de você, se ele não te define, se não é como uma segunda pele, me respondeu.
Não ousei contestar.
Eu a vi dançando, rodando as saias (imaginei que eram sete) do vestido, olhar penetrante, atirando a cabeça prá trás desafiando uma platéia imaginária.
Nessa tarde fria e opaca, a sensualidade cigana que habita essa mulher iluminou o dia, e a sensação de calor tomou conta da sala que pegamos emprestada para nosso encontro marcado.
Ela se transformava enquanto girava e parecia ainda mais livre.
Como se isso fosse possível.
Ela me disse que mora na rua, assim mesmo, sem eira nem beira, porque paredes e tetos são prisões dissimuladas.
Que muda de lá prá cá e de cá prá lá porque arrancar raízes é dolorido na hora de partir e "as partidas, você sabe, são inevitáveis", confidenciou quase num sussurro. Que tem medo do amor porque ele aprisiona mais que as paredes e os tetos e liberta mais do que as ruas — e quem pode viver num inferno desses? — perguntou.
Mas não esperou pela minha resposta.